sexta-feira, 15 de julho de 2011

Signo de água

Abri a janela para deixar entrar o cheiro da chuva, de repente o quarto era todo água... Eu umedecia aguando a noite.

Água água

Menina sublunar, afogada,
que voz de prata te embala
toda desfolhada?

Tendo como um só adorno
o anel de seus vestidos,
ela própria é quem se encanta
numa canção de acalanto
presa ainda na garganta


(Olga Savary)

Doces & Travessuras: uma cronicazinha de passagem

Argumento de criança é coisa muito interessante, eles quase sempre estão relacionados a doces; e se for no Norte, onde a temperatura costuma atingir níveis muito elevados, os preferidos são sempre os doces gelados. Os casos que se seguem têm a ver com esses terríveis violões que apavoram pais e mães, mas que não saem da cabeça dos pequenos.
O primeiro caso me veio enquanto aguardava uma consulta com um especialista que já nem lembro, era um dia ensolarado, mas a sala de espera estava quase congelando graças ao ar condicionado. Não longe uma senhora aguardava acompanhada de um garotinho que, entediado com tanta demora, perguntou se poderiam, enquanto a recepcionista não chamava, ir até a sorveteria – que ele já havia notado - na esquina. A mãe espertamente disse ao pequeno que estava muito frio para tomar sorvete, um argumento razoável me pareceu; o garoto por sua vez poderia ter alegado que o sol estava quente lá fora - e estava, era quase 12h - mas disse simplesmente, sem conhecer nenhuma física, que sua barriga por dentro não estava fria como a sala. A mãe não disse mais nada para tentar convencê-lo do contrário, pediu apenas que aguardasse para que ela não perdesse a consulta e depois ambos se encaminharam para a sorveteria.
Outro dia quente, novamente por volta das 12h, e eu estava em uma lanchonete, que também oferecia um serviço de bufê, para almoçar. Encaminhei-me para a fila, servi-me e paguei a comida. Era início de uma tarde de sábado e o local estava lotado. Consegui, com certo esforço, uma mesa e, sozinha, iniciei a refeição sem dar muita atenção a mais nada que não fosse minha salada de bacalhau e o camarão com molho branco; a concentração era tanta e a fome ainda maior que só ao final percebi que havia esquecido a sobremesa. Levantei-me para comprá-la e perdi meu lugar. Depois de dar algumas voltas com a sobremesa na mão pude avistar uma simpática dupla sentada bem no meio da lanchonete, não foi a simpatia deles que chamou minha atenção a princípio, mas o fato de haver na mesa duas cadeiras que não estavam ocupadas. Aproximei-me e pedi ao gentil senhor acompanhado de sua pequena filha para juntar-me a eles ocupando uma das cadeiras vazias, eles cordialmente me cederam a cadeira e eu pude, enfim me sentar. Mal comecei a saborear o doce e pude logo perceber o esforço daquele pai para convencer a pequerrucha a comer e ela por sua vez, cheia de charmes e artimanhas, estava ganhando por nocaute com suas desculpas para não fazê-lo. Enquanto ele tentava convencê-la a comer a salada e as carnes esquecidas em seu prato praticamente intocado, ela amavelmente protestava dizendo que “estava enchida”. O pai, meio sem graça pela minha presença, tentou corrigir a garota dizendo a ela que o correto era dizer “estou cheia” ou então “estou satisfeita” e ela rapidamente repetiu que estava satisfeita e pediu um picolé. O homem, se achando muito esperto disse a ela que não precisava já que ela já estava satisfeita. A pequena, por sua vez, sem precisar pensar se quer um pouco foi logo dizendo que criança quando tá satisfeita quer picolé. Eu não pude deixar de rir e o pai de comprar o picolé para a menina.
Esses casos me levam a pesar que a força argumentativa advém mais da paixão ou da força com a qual se luta por algo, do que do conhecimento prévio das estratégias argumentativas, de conhecimentos sintático-pragmáticos. Os pequenos das histórias não precisaram dominar esses campos da linguagem para apresentarem razões convincentes para terem seus desejos atendidos. Poderíamos até pensar que o segredo do sucesso dos mesmos se deva à presença do inesperado, o que torna suas falas engraçadas e desencoraja uma recusa por parte dos adultos, mas ainda prefiro atribuir seu sucesso à criatividade e à paixão que as motiva.