domingo, 24 de outubro de 2010

Campo Geral (apenas um trecho)

"Todos os dias que depois vieram,
eram tempos de doer. Miguilim tinha
sido arrancado de uma porção de
coisas, e estava no mesmo lugar.
Quando chegava o poder de chorar,
era até bom - enquanto estava
chorando, parecia que a alma toda se
sacudia, misturando ao vivo todas as
lembranças, as mais novas e as muito
antigas. Mas, no mais das horas, ele
estava cansado. Cansado e como que
assustado. Sufocado. Ele não era ele
mesmo. Diante dele, as pessôas, as
coisas, perdiam o peso de ser. Os
lugares, o Mutúm - se esvaziavam,
numa ligeireza, vagarosos. E Miguilim
mesmo se achava diferente de todos.
Ao vago, dava a mesma idéia de uma
vez, em que, muito pequeno, tinha
dormido de dia, fora de seu costume
- quando acordou, sentiu o existir
do mundo em hora estranha, e per-
guntou assustado: - 'Uai, Mãe, hoje
já é amanhã?!'"
(J. G. Rosa, Manuelzão e Miguilim)

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