O TEMPO passava impetuosamente, e eis que um dia num fim de tarde avistei o quintal da minha infância, era menor do que quando visto com meus olhos pequenos. Ver as coisas com olhos GRANDES às faz parecerem pequenas, do mesmo modo que ver as coisas com olhos pequenos às faz parecerem GRANDES.
Quando os olhos são pequenos os espaços são maiores, como quando dormia no armário de roupas, uma pequena caixa de madeira marrom habitada pelas roupas da família, lá estava a mãe, o pai, os irmãos, eu mesma estava lá em carne e roupa; aquela pequena caixa me parecia ENORME - maior do que os seus poucos metros sugeriam - e quente; era segura, lá eu podia me esconder de todos os monstros que povoavam os sonhos de minha infância. Perdia-me assim nas madrugadas e despreocupada, entregava-me aos sonhos de quintal dentro da caixa. Na casa todos dormiam alheios ao que se passava no armário, só as roupas dos dormintes sabiam da minha presença ali noite após noite, elas já me aguardavam para lhes fazer companhia, e antes que minha mãe ou qualquer outra pessoa acordasse, eu voltava para cama.
Como era bom brincar no quintal ENORME da minha infância, quando a casa não precisava ser tão GRANDE porque éramos pequenos e tínhamos olhos pequenos para ver tudo GRANDE. Ela ocupava apenas um pequeno espaço próximo à rua, o resto era todo quintal, quintal ENORME, era todo casa de pássaros que vinham se alimentar no jambeiro, na mangueira, no açaizeiro, no cajueiro, na ingazeira, na ameixeira; muitos dos quais lá faziam suas moradas, deixando, distraídos - para a nossa surpresa - cair, vez ou outra, um ovo dos altos galhos, galhos que pareciam inalcançáveis aos nossos olhos pequenos, mas que os pássaros alcançavam sem maiores esforços.
Os olhos foram crescendo e o quintal se apequenando, de repente se foi a mangueira; em seguida já não tínhamos mais ameixas; o ingazeiro sumiu logo depois; os cachos de açaí também desapareceram; passado algum tempo começamos a ter que pedir jambo para o vizinho, pois o jambeiro também precisou ser cortado. A casa foi se afastando da rua e entrando no quintal, e assim até o cajueiro perdeu o seu lugar. Para compensar tamanha ausência foi plantado, no pouco de quintal que ainda nos resta, um coqueiro, planta bonita, útil mais pelo fruto, que pela sombra. Mas solitário como estava não conseguiu produzir, ele também se rendeu a falta de quintal e morreu por vontade própria, deixando-nos também sem o coqueiro, sem o coco, sem a água.
(Daniele Oliveira)
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