quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Três Rubem(s) e uma crônica

Sempre pensei em ganhar (ou perder) a vida escrevendo, houve uma época em que quis escrever romances, cheguei até a pensar em alguns e mesmo iniciar uns rascunhos, mas faltou-me paciência e leitura para seguir à diante. Não sabia que um abismo profundo nos separava, a mim e o sonho de escrever. Frustrada a primeira tentativa, ficou a constatação de que eu não sabia criar, não era um ser criativo; nos testes de adivinhações na internet eu escolhia sempre o “martelo vermelho”, o que significa que penso como 98% da população, podendo ser classificada como normal, ou diferente dos 2% “que são suficientemente diferentes para pensar em outra coisa”. O fato é que eu sabia que não podia, até o dia em que se iniciou a saga em busca dos contos de Rubem Fonseca e seu personagem que ensinava a ler as putas.

Tudo teve início quando, em um congresso de educação, avistei num stand um livro de crônicas de Rubem Alves, o nome Rubem logo chamou a minha atenção, pensei estar diante do famigerado criador dos contos com putas que eram alfabetizadas por um funcionário da Cia de água e esgoto do Rio de Janeiro. O livro estava envolto em papel filme, não tive acesso ao seu conteúdo, adquiri a obra “no escuro”, voltei feliz para casa pensando ter na bolsa os contos que tanto me interessavam, e que eu mal podia esperar para ler. Ao chegar em minha casa, retirado o papel filme, ansiosa, pensei, finalmente poderei folhear a literatura tão cobiçada. Mas grande foi minha surpresa e um pouco menor a frustração ao perceber, pelo conteúdo das crônicas, que se tratava do Rubem errado. Continuei a leitura mesmo após essa constatação, seguida de uma outra, o que procurava eram as crônicas de Rubem Braga, pensei. Assim segui em minha busca.

Em uma noite, comentando o ocorrido com uma colega de trabalho que - sensibilizada com a minha desdita – empenhou seu tempo e paciência para me ajudar, consegui o que de mais precioso eu poderia tocar naquele momento: um livro com uma seleção de crônicas de diversos autores, entre eles, estava lá o motivo de tal empréstimo: as crônicas do Rubem Braga. E eu as devorei, não soltava mais o livro. Aquela leitura me roubava todo o tempo, mas ao mesmo tempo me dava muitas coisas e a primeira delas foi a certeza de que novamente tinha nas mãos outro Rubem diferente do que buscava. Foi então que me veio à mente o sobrenome Fonseca que estranhamente havia sido apagado de minha memória, eu o encontrei, encontrei-o naquelas crônicas que não eram dele, mas que me levaram a ele e me levaram a outros lugares também.

Certa vez alguém me disse que bons poetas são bons leitores de poesia, o mesmo acontece com a crônica, são bons cronistas, os que lêem avidamente as crônicas dos Rubens, das Clarices, dos Drummonds. Foi o que eu fiz, em busca dos contos de Rubem Fonseca me tornei leitora dos Rubens Alves e Braga, vivi a Odisséia das crônicas como um Ulisses que não procura o lar, mas o Rubem certo, sem o canto das sereias ou as porções de Circe, sem ciclopes; os ouvidos sempre atentos e os olhos, e o paladar apurados. Assim foi o percurso entre o sonho de escrever e o surgimento da primeira crônica...
Quando finalmente, sem que eu esperasse, chegou o grande dia... numa feira, em meio à uma infinidade de livros, um se destacava com sua capa preta e os escritos em vermelho. Atravessei o stand (que não era pequeno) e fui ao seu encontro. EU O ENCONTREI, eram as primeiras letras grandes, quase luminosas, as mesmas letras que me chamaram a atenção na capa preta; diziam: RUBEM FONSECA. Que felicidade! Adquiri-o juntamente com um outro volume contendo mais 64 contos. Agora, além das crônicas, tinha contos para mais alguns dias. Era o fim da busca pelo Rubem Fonseca e o início de muitas outras buscas...
(Daniele Oliveira)

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