quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O Prêmio

Todo bom contador de causos é também um bom ouvidor, do mesmo modo que todo bom ouvidor tende a tornar-se um bom contador...
O causo que será aqui exposto é povoado por personagens assim, uma boa ouvidora de causos, que certa noite em seu trabalho tem diante de sua mesa uma figura pronta a lhe narrar a história mais impressionante e inesperada que ela poderia ouvir naquele lugar e naquele momento. Assim, sem saber o que lhe aguardava, a mulher iniciou a “conversa” – conversa entre aspas, porque em verdade o que aconteceu ali foi um quase monólogo, uma narrativa com algumas poucas intervenções da ouvinte.
“Desde que me disseram que eu ia receber um prêmio, eu não parei mais de pensar nisso”, disparou o homem sentado na sala da coordenação, “Eu nunca tinha ganhado nada antes”, continua. A frustração lhe saltava aos olhos. A coordenadora que o atendeu deve ter se perguntado o que teria acontecido aquele pobre homem.
A mulher, curiosa, pediu que ele contasse o ocorrido, sem saber que o que se seguiria seria um emocionante causo. Adianto ao leitor que não se trata de um causo espetacular ou sobrenatural, mas de uma história simples e emocionante de um sujeito e o seu prêmio.
A partir do momento em que foi informado sobre sua participação na premiação, o sujeito conta emocionado, que andava ansioso com o prêmio que receberia, mesmo sem nem saber o que era, sabia apenas que se tratava de um MP3, mas nem sabia o que era isso, nem para que lhe serviria ou o que poderia fazer com ele. Foi então pesquisar para saber como usaria seu prêmio. Quando descobriu que era na verdade um aparelho que tocava músicas em formato MP3 (um padrão de arquivos digitais de áudio estabelecido pelo Moving Picture Experts Group - MPEG) e que, portanto poderia ouvir músicas com ele, pensou logo nos hinos que tanto gostava e, assim, tratou logo de pedir a um vizinho que fizesse uma lista com seus cânticos preferidos. O vizinho conseguiu reunir em uma lista mais de 140 louvores, o que deixou nosso narrador/personagem ainda mais empolgado.
O dia da premiação...
Finalmente chegou o dia de receber o seu prêmio, desde que lhe disseram que ganharia um MP3 ele estava ansioso, estava tão feliz, mais tão feliz – contava - que parecia que ia ganhar um carro. Quando ouviu seu nome ser chamado, mal podia respirar, subiu ao palco apressado, e foi quando lhe entregaram um DVD - trata-se aqui do aparelho e não da mídia - estranhou, ficou triste, mas não disse nada, além de “obrigado”. A ouvinte do causo, perguntou, então, por que ele não havia gostado do aparelho de DVD, afinal valia mais que o aparelho de MP3. Feito esse questionamento, o contador prossegue sua narrativa, explicando que aquele não lhe seria muito útil, pois ele só poderia assistir em sua casa, enquanto que com este último ele poderia ouvir seus hinos em todos os lugares, em casa, na escola e, principalmente, no trabalho. O leitor deve estar se perguntando que tipo de trabalho aquele homem realizava para, agora, achar tão indispensável ter um aparelho para ouvir música durante o expediente, bem essa informação só quem tem é o narrador do causo, que não nos revelou em seu quase monólogo, portanto, deixemos isso de lado e voltemos ao que, para o contador, realmente importa. A premiação prosseguiu alheia ao sujeito e sua desilusão. Até que este percebeu que o tão aguardado MP3 estava com uma jovem que havia tirado o primeiro lugar, de posse dessa informação, nosso “herói” não penso se quer mais uma única vez, dirigiu-se imediatamente à organização do evento “exigindo” a troca dos prêmios. E foi assim que eles, percebendo a confusão, fizeram a (des)trocaram. O sujeito finalmente teve nas mãos o seu tão desejado MP3.
Era tão pequeno – informava o contador do causo - difícil crer que ali, num trocinho minúsculo como aquele caberiam as mais de 140 músicas selecionadas por seu vizinho. Ele não voltou para a sua casa naquela tarde, foi direto para a casa do vizinho, gravar seus hinos. No início da noite era só alegria, não se separou mais do seu “Prêmio” nas duas horas seguintes, esqueceu esposa e filhos e ficou lá com suas músicas. Como aquilo era possível? - ainda pensava ele, mas agora mais despreocupadamente, pois naquele momento só o que importava verdadeiramente era a música que ele poderia ouvir, com seu pequeno objeto, aonde quer que fosse. A alegria que o prêmio lhe proporcionou era enorme e só aumentava com o passar das horas, assim, ao invés de cansar, enjoar do presente, ele se mostrava cada vez mais animado. Não podia se quer imaginar que dali a alguns minutos tudo mudaria, que sua alegria se transformaria em desgosto.
O que aconteceu após essas duas horas de felicidade plena foi o que fez com que essa história chegasse ao nosso conhecimento, isso porque passadas as duas horas a música parou, segundo ele, só se ouvia um zum-zum-zum. A esposa, na tentativa de “confortá-lo”, disse que aquilo era assim mesmo, um troço tão pequenino só podia mesmo ser descartável. Era isso, o prêmio que ele tanto aguardara, que tanto quisera, só tinha vida útil de duas horas. Conta o homem que naquele momento ele se trancou em seu quarto e chorou, chorou como quando era menino e via quebrar algum de seus brinquedos. Neste ponto da narrativa, conta a ouvinte, que seus olhos novamente se encheram de lágrimas, ele parecia mesmo um menino chorando pelo brinquedo perdido, e nesse momento até ela quis chorar.
O acontecido do parágrafo anterior foi o que levou o sujeito até a sala da diretoria da escola para informar sua desventura à coordenadora, uma vez que a premiação fazia parte de um programa de incentivo da prefeitura municipal aos alunos com bom rendimento nas disciplinas escolares. Assim o contador do causo desolado encerra sua narrativa lamentando o ocorrido, pois segundo ele isso foi acontecer justo no momento em que ele havia aprendido os cálculos, que já conseguia armar as contas...
A tristeza da coordenadora foi ainda maior que a do aluno. Este perdeu seu MP3, aquela perdeu um aluno nota 10.
Agora cabe a questão, será que o aparelho de MP3 realmente não funcionava ou apenas acabou a bateria e ele não soube recarregar? Será que estava com defeito, ou faltava apenas o adaptador para conectá-lo à tomada? Ou ainda, cabe questionar se o aparelho é mesmo descartável, como afirmou a esposa do nosso personagem. Descobrir o “X” dessa questão é agora a missão da coordenadora que terá um novo encontro com o contador do causo no dia seguinte.

(Daniele Oliveira, 29 de agosto de 2010)

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